


O que significa receber a Insígnia Autonómica de Mérito Cívico?
Representa o reconhecimento da minha carreira desportiva. Para um miúdo que saiu do meio do Atlântico (ilha de Santa Maria) aos 15 anos e fez o percurso que fiz, além do orgulho pessoal, penso que ajudei para que os Açores fossem falados nos meios desportivos da modalidade do hóquei em patins.
Estava à espera desta homenagem por parte do Governo Regional dos Açores?
Não estava. Quando praticamos desporto, quer seja como jogador ou treinador, tentamos alcançar o máximo possível e não estamos à espera de reconhecimentos estatais. Neste caso é com muito orgulho e satisfação que recebi a notícia da condecoração.
Conta com um currículo onde possuiu vários títulos, nacionais, europeus e mundiais, como jogador, treinador e não esquecendo os dois terceiros lugares em mundiais como seleccionador. Na altura o que sentiu ao conquistar estas proezas?
Basta dizer que quando parti num avião em 1962, com 15 anos, leva a ideia de querer ficar no Benfica, nem que fosse o pior jogador. Foi com muito trabalho que consegui impor-me e, no meio de tantos praticantes – não só a nível nacional como europeu e mundial – ser considerado um dos jogadores de elite, claro que mexeu com o orgulho pessoal e deu-me muita força para trabalhar e tentar alcançar cada vez mais títulos pelas equipas que representei, que também foram títulos pessoais.
Saiu muito novo de Santa Maria para ir para continente jogar no Benfica como júnior, como viveu esta experiência?
Em Santa Maria, estudávamos e e praticávamos muito desporto. Recorde-me que jogava futebol, andebol, basquetebol e o hóquei em patins, modalidade que enverguei pela oportunidade que surgiu. Representei o Clube Asas dos Atlântico, e vim realizar um torneio em São Miguel e um na Terceira, com equipas seniores e penso que foi ai que “dei nas vistas”. Penso que a partir dai foi o motivo que levou ao surgimento de um convite para ir a Lisboa prestar provas e as coisas foram-se desenrolando e consegui lá chegar.
Depois de uma carreira como jogador recheada de títulos, passou a treinador, como foi esta fase?
É um continuar a exercer dentro da modalidade que abraçamos e gostámos. É o colocar toda a experiência que adquirimos, não só como jogadores mas também o que aprendemos com os treinadores que tivemos. Penso que é mais importante obter o conhecimento e experiências dos treinadores que nos treinaram do que tirar propriamente um curso.Foi tudo uma progressão desde de 1962 até há cerca de dois anos, onde consegui, com muita satisfação atingir os objectivos com que me determinei a alcançar.
Ter estado na frente da selecção de Portugal de Hóquei em Patins, por duas vezes – 1986 e 1999 - foi uma responsabilidade acrescida e difícil?
Não porque quando chegamos a seleccionador já temos um certo prestígio e os jogadores se reconhecem em nós a capacidade de termos sido treinador e de jogador, ajuda muito mais. E, só tive a infelicidade de não ganhar um título Mundial porque na altura a Itália foi muito forte e no outro foi a Argentina que venceu. Mas de qualquer forma é sempre o culminar de uma carreira, porque na minha opinião qualquer jogador pensa realizar uma carreira e atingir a selecção nacional. Eu consegui isso e com títulos. Depois como treinador almejamos sempre chegarmos a seleccionador e consegui. Fiquei em terceiro lugar nos dois mundiais e é uma boa experiência para recordar e contar aos filhos.
Como analisa o hóquei em patins actualmente?
Com uma certa preocupação porque se nota muito que neste momento o hóquei está a perder alguma visibilidade. Costumo dar o exemplo de, em criança no meio do Atlântico, numa ilha como Santa Maria, o que nos fazia praticar o hóquei eram as referências dos jogadores que ouvíamos na rádio. Recordo que em casa era uma luta com o meu irmão mais velho porque ele gostava de música e queria ouvir os relatos dos jogos de hóquei e havia sempre um conflito.
E ia à procura de quê?
De ouvir falar dos meus ídolos, que na altura eram o Fernando Adrião, o Livramento, o Cruzeiro, o Lisboa. Portanto, eram todos estes jogadores que nos “enchiam a cabeça”, que faziam-nos imaginar muitas coisas.Na minha opinião, até há pouco tempo a modalidade viveu destas referências porque a nível nacional o hóquei era uma modalidade que era querida pelos espectadores. Logo a seguir ao futebol era o hóquei em patins. Neste momento e pelo controlo, quase absoluto, pelas televisões com o futebol, modalidades como o hóquei em patins estão a perder evidência e hoje em dia se não aparece na televisão, com toda a certeza que a modalidade perde.
Na sua perspectiva o que é necessário fazer para esta visibilidade voltar?
É difícil. Ser mais visto até pode-se conseguir através de uma federação mais forte, que consiga impor os seus desejos junto dos canais televisivos. Por exemplo, do Campeonato Nacional da 1ª Divisão, transmitir um jogo por semana. Seria um factor imprescindível, como acontece com o futsal que apareceu há 2/3 anos e o hóquei deixou-se ultrapassar. Por outro lado compreendo era falha porque e, reportando a 1960/70, o hóquei era das poucas modalidades que conseguia ganhar títulos a nível europeu e mundial. Era uma satisfação para todos os portugueses. Hoje com a evolução das modalidades o ser campeão europeu – não digo que seja uma banalidade – mas é uma coisa mais natural. O sentimento que as pessoas tinham nos tempos antigos é diferente e dificulta mais a imposição do hóquei em patins.
Como avalia o hóquei em patins nos Açores?
Infelizmente sempre houve grandes dificuldades. Primeiro era com o material e outras vezes é a modalidade não conseguir impor-se. Lembro-me que um dos motivas que gostava de vir a São Miguel era porque existiam seis equipas de hóquei, um campeonato e jogadores já com grande valia. No entanto, muitos jogadores emigraram, os clubes tiveram dificuldades e neste momento são muito poucos. Um campeonato entre as ilhas está paralisado. Temos o Santa Clara que tenta manter-se na 2ª Divisão, mas nunca houve um investimento forte em termos de quantidade para que saísse um pouco a qualidade do jogador açoriano.Portanto, ainda há muito trabalho para ser feito na formação para que se alcance bons jogadores açorianos e que as equipas dos Açores têm melhores resultados. Isto com excepção do Candelária que tem um plantel profissional, mas com pouco atletas da região.Isto é um contraste. Sabemos que o Governo Regional apoia várias modalidades, nas diversas ilhas, tal como a Madeira faz e fui o treinador que subiu o Portosantense à 1ª Divisão e infelizmente tem de ser com jogadores de fora. O importante seria conseguir uma forma de tentar incutir no jovem açoriano uma maior quantidade na prática do hóquei em patins, para que fosse possível realizar estes campeonatos, como faz o Candelária ou o Santa Clara, mas com 80 por cento com jogadores açorianos.
Neste seu longo percurso gostava que destacasse os melhores e os piores momentos.
Os piores momentos é quando se perde, mas em 1999 no Mundial, custou-me muito porque fomos eliminados em penaltis. No final da série de cinco estávamos a ganhar por 1-0. A Espanha foi marcar o último e se falhasse éramos nós que passávamos, mas os espanhóis marcaram e igualaram. Na nova série falhámos e foi uma desilusão muito grande.Motivo de satisfação, claro que qualquer título, não só pelos clubes como pela selecção e campeonatos do mundo. É sempre a primeira recordação, é como o primeiro amor. Em 1968, no que é hoje o Pavilhão Rosa Mota, completamente cheio, ter sido campeão pela primeira vez e neste caso um açoriano, senti naquele momento muito orgulho e é com grande alegria que recordo aquele Campeonato do Mundo.
Dois títulos Mundiais e Europeus
Dois títulos Mundiais e Europeus
Jorge Vicente nasceu em São Miguel e aos três meses foi viver para Santa Maria, onde permaneceu até aos 15 anos.Durante a sua adolescência praticou vários desportos, destacando-se na modalidade de hóquei em patins. Em Setembro de 1962 saiu de Santa Maria para Lisboa contratado pelo Benfica ainda júnior. Dois anos mais tarde sagrou-se campeão e subiu à categoria de sénior, onde foi por sete vezes campeão Nacional. Nesta altura representou também a Selecção Nacional onde foi campeão Europeu nos anos de 1971 (final em Lisboa), 1973 (final na Alemanha). Foi igualmente campeão do Mundial em 1968 (final no Porto) e no ano de 1974 (final em Lisboa). Deixa o Benfica em 1974 e no ano seguinte segue para Itália, para o Corradini, conquistando um título nacional. De regresso a Portugal abraçou a carreira de treinador, tendo passado pelo FC Porto, Benfica e Óquei de Barcelos, ganhando duas Super Taças, em 1991 pelo FC Porto e em 1999 pelo Ó. Barcelos.
Como reconhecimento do seu trabalho foi chamado a comandar a Selecção Nacional por duas vezes, em 1986, no Campeonato do Mundo do Brasil, e em 1999, no Mundial de Espanha onde obteve o 3º lugar em ambos.
Entrevista: Susete Rodrigues/Jornal Açoriano Oriental / Fotos: LF